Saturday, July 30, 2005

DEMOCRACIA RACIAL


Há duas semanas, quando efetivamente travei com meus companheiros dessa revista um debate do que seria escrever para um periódico de acadêmicos sobre racismo, concluí que a tarefa deveria ser realizada de maneira que, a priori não me deteria a nenhum tipo de debate historiográfico-muito embora seja uma publicação organizada por jovens historiadores - acerca do ideal de cientistas renomados e suas teses sobre o tipo de discriminação em questão.

O que deve então permear minhas reflexões? Ora, não é necessário ser renomado ou gênio para perceber que o tema está em evidência diuturnamente em quaisquer meios de comunicação que nos sejam minimamente acessíveis e que constantemente tem seu foco desviado por escritores que pretendem, ou criar a imagem de uma pretensa democracia racial ou, ainda, desqualificar o tema alegando impertinência devido a certo pensamento arcaico dessa instância na sociedade brasileira (Ah! Isso é coisa do passado. Hoje em dia o número de casamentos inter-raciais aumentou!).

Qual deve ser a clareza a ser atingida num tipo de debate como esse? A principal começa por assumir que toda a sociedade que utilizou mão-de-obra negra sob forma de qualquer trabalho compulsório possui resquícios de discriminação racial. Talvez alguns entendam que eu apontei para um motivo e queiram afirmar que a gênese do capitalismo, ou que as teorias raciais do famigerado século XIX (a meu ver um século sui generis) sejam o verdadeiro motivo da discriminação racial atual. Para esses desavisados, eu não desejo investigar as causas do racismo, e sim constatar que vivemos numa sociedade que o nega e que pretende trazer à tona (nem que seja a fórceps) uma forma de abordagem embasada no tipo físico brasileiro e sob forma de uma re-significação de um ator social que é o mestiço ou mulato.

E o que então os formadores de opinião tentam enfronhar no inconsciente coletivo dos brasileiros para a justificação dessa realidade? O elemento mestiço, ou mulato, antes signo da impossibilidade de avanço intelectual e culpado por todo o atraso e impureza sangüínea da sociedade brasileira, agora retorna como o símbolo de uma "brasilidade" genuína e impossibilitador de uma definição da classificação étnica do Brasil. Isto significa dizer que um elemento que era antes visto como uma existência nefasta é atualmente utilizada como ícone de um segmento social que nega toda uma construção social baseada no racismo e que representa o que seria um brasileiro em essência.

O que se deve atentar é para o perigo que representa a influência dessas idéias para as populações negras que tiveram, e ainda tem em sua esmagadora maioria, o acesso a uma educação de qualidade negada pelo Estado e que contribui muito para a exposição a uma distorção promíscua da realidade racial em que vivemos.

É muito claro que os defensores de uma ausência de racismo, ou de uma unidade fundamental étnica genuinamente brasileira têm interesse em desqualificar a discussão do tema, pois invariavelmente essa acarretará no surgimento de outras questões, como as ações afirmativas, por exemplo, quando o primeiro argumento foi o da impossibilidade de definição de quem seria o elemento negro nessa nossa sociedade.

Ora, por muito tempo pensei que cidadãos como esses que escrevessem artigos de negação de racismo fossem pessoas que embora letradas, houvessem sido doutrinadas por uma vivência que lhes pudesse tolhir de uma visão mais ampla da própria sociedade. É óbvio que quem não conseguia enxergar naquela época era eu que não havia expandido minha compreensão a ponto de perceber que artigos e reportagens que eu lia eram escritos por pessoas necessariamente instruídas e que todo aquele absurdo que estava escrito nada mais era do que a representação de um, maquiavelicamente elaborado, projeto de "genocídio estatístico" que visava negar a gigantesca representação de uma população negra buscando fazê-la acreditar que casamentos entre pessoas de diferentes etnias haviam extinguido a discriminação racial.

Um ponto que considero importantíssimo para essa discussão é o fato de que o argumento dos nem sempre conscientes, defensores de uma discriminação social e não racial não percebem que os dois tipos não são excludentes e que os indicadores sociais invariavelmente apontam para uma congruência das duas, isto é, a população negra acaba sendo a esmagadora maioria dos que são chamados de excluídos socialmente. Porém, o que novamente se percebe é que as estatísticas que "criaram" o elemento pardo acabam mostrando que cada vez mais, os negros são em menor número no Brasil e que todos são jogados imediatamente na categoria "parda" fazendo com que os negros sejam "menos excluídos" que os pardos.

Enfim, os questionamentos que, nós que somos cientistas sociais, devemos nos ater têm de vislumbrar o corpus social brasileiro não com símbolos de "raça" e sim com as suas especificidades a fim de que não sejamos coniventes com a tentativa de "extermínio" da população negra do país. A afirmação de uma identidade tipicamente nacional tem passado pela desqualificação, negação e sub-hierarquização de um sujeito social que pensa, possui representantes que não quer deixá-los ser enganados e que apenas anseia em embasar seu desenvolvimento na iminência da existência de oportunidades iguais.

Por Luiz Fernando Ventura de Souza, 6º período, História / UFRJ

0 Comments:

Post a Comment

<< Home