Saturday, July 30, 2005

INSERÇÃO DO NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO: UM DEVER DO ESTADO

Este ano completamos 117 anos de abolição da escravatura no Brasil, e infelizmente a população negra brasileira não tem muito o que comemorar. Após mais de um século do fim do escravismo, há ainda um forte racismo estrutural vigente em nossa sociedade, que promove um abismo socioeconômico que separa negros e brancos no Brasil. Lastimavelmente ainda hoje no Brasil – a segunda maior nação negra do mundo – todos os indicadores sociais permanecem desfavoráveis aos negros (mortalidade infantil, analfabetismo, expectativa de vida, etc.); e todo esse desfavorecimento se reflete no mercado de trabalho. Não é por acaso que a renda per capita das famílias negras situa-se em torno de 40% da renda das famílias brancas; logo, a incidência de pobreza e indigência na população negra é duas a três vezes mais alta que entre os brancos; isso sem falar das taxas de desemprego, informalidade, condições de moradia, acesso a cargos de chefia, etc.

Um olhar despercebido nos dados exibidos acima pode levar o leitor à conclusão enganosa de que as disparidades apresentadas têm sua principal causa apenas nas distinções de classe, logo, elevando-se o nível de vida dos pobres resolve-se a questão dos negros. Porém analisando esses números de inferioridade social do negro e a permanência desse quadro – que se mantém quase que estático ao longo de décadas de estudo estatístico (mesmo nos períodos de prosperidade econômica) – não resta outra opção senão considerarmos que mecanismos de exclusão, baseados unicamente na cor dos indivíduos, exercem um papel determinante na divisão social do trabalho no Brasil. Pois como podemos explicar que mais de um século depois da abolição da escravatura os serviços manuais, mal remunerados e insalubres continuem sendo o lugar reservado para o negro no mercado de trabalho. Para endossar o que foi dito acima, utilizaremos o Mapa do negro no mercado de trabalho – trata-se de um estudo realizado pelo Dieese e pela Fundação Seade em 1999, por encomenda do Instituto Interamericano Sindical pela Igualdade Racial (Inspir). O objeto do estudo é a situação dos trabalhadores negros em seis capitais (São Paulo, Salvador, Recife, DF, Belo Horizonte e Porto Alegre)

Os resultados são reveladores: nas regiões pesquisadas os trabalhadores brancos recebem, em média, mais que o dobro dos negros – exceto Belo Horizonte. Negros são maioria entre os desempregados pois a duração do emprego é sempre maior para os brancos, bem como o tempo de desemprego para estes também é menor. Negros são minorias em funções de planejamento, assim como constituem maioria na força de trabalho não qualificada, alocados nas atividades de execução e de apoio em serviços gerais. Em Salvador o número de trabalhadores negros em funções não-qualificadas é quase três vezes maior que o de brancos. Negros ingressam mais cedo que os brancos no mercado de trabalho: o percentual médio de crianças negras trabalhadoras de 10 a 14 anos é de quase 15%, em Salvador esse número aumenta. Negros também são os últimos a deixar o mercado de trabalho e a jornada de trabalho do negro é de uma a duas horas maior que a do branco: 44 horas semanais contra 42. As mulheres negras recebem em torno de 30% do que recebe o homem branco – exceção do DF e de Porto Alegre. Já as mulheres brancas possuem rendimentos maiores que os homens negros – com exceção de Belo Horizonte. O número de negros ocupados com trabalhos domésticos é quase quatro vezes maior do que o número de brancos. A população negra é, também, a que menos tem acesso à serviços e é a que menos se apropria da riqueza que produz.

Muita gente pensa que essa conjuntura se dá devido às desigualdades educacionais entre as “raças”, logo, um investimento maciço em educação corrigiria tais disparidades. Infelizmente tal argumento não se justifica pois em todas as capitais pesquisadas os diferenciais de salário aumentam na medida em que aumenta a escolaridade entre brancos e negros (Op. cit, Medeiros)

O prof. Marcelo Paixão, fez um trabalho sobre o desenvolvimento humano dos negros brasileiros utilizando a mesma metodologia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Separou assim o Brasil em dois: “Brasil dos brancos” e o “Brasil dos negros” para levantar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das duas populações. Conclusão: em nenhuma região brasileira o IDH dos negros é maior ou igual ao dos brancos. Se o “Brasil dos negros” fosse um país à parte, ele ocuparia a 108ª posição no ranking da ONU; o “Brasil dos brancos” ocuparia a 49ª posição. Lembrando que o Brasil ocupava oficialmente naquele ano a posição 74 num ranking que ia até o número 174. (Paixão, 1998). Podemos, assim, concluir que precisamos urgentemente formular um conjunto de políticas públicas voltadas exclusivamente à população negra com o objetivo de incorporá-la no mercado de trabalho.

O Presidente Lula afirmou que se eleito cumpriria todos os acordos internacionais firmados anteriormente. Pois bem, sempre é bom lembrar, que dentre tantos acordos internacionais, o Brasil também é signatário Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – que trata sobre formas discriminação no mercado de trabalho – sem falar da Convenção pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, da ONU. Diz o art.. 2º da Convenção 111: “Qualquer membro para o qual a presente Convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria.”. Assim, não é nenhum absurdo que a população negra do Brasil – 45% da nação de acordo com o IBGE – exija que o governo adote políticas que ataquem frontalmente nossas discrepâncias raciais. As cotas para negros nas universidades são um importante avanço, mas não podem, de maneira alguma, serem um fim em si mesmas. Pelo contrário, as políticas de cotas devem ser endossadas com outras políticas de ação afirmativa no mercado de trabalho; pois os negros depois de formados terão mais dificuldades em conseguir emprego em relação aos brancos; e quando conseguirem receberão menos que estes, com mesma escolaridade e exercendo mesma função; terão mais problemas em assumir postos de chefia, etc.; e todos esses empecilhos só têm uma motivação: a cor de suas peles, nada mais. Os números revelam isso, e contra fatos não há argumentos.

Logo, é obrigação do governo forçar as empresas privadas a diversificarem etnicamente seus quadros de funcionários – incluindo postos de chefia, necessariamente –; emitindo certificados para empresas que pratiquem a diversidade. Dessa forma o consumidor, especialmente o negro, poderá optar de qual empresa ele vai adquirir um produto ou serviço. Empresas que recebam o tal certificado também deveriam ter preferência ao concorrer pelos processos de licitação pública. No caso do funcionalismo estatal é urgente a necessidade de uma cota mínima de 45% para negros em todos os concursos públicos. Essa cota estender-se-ia inclusive às admissão por tempo determinado e para contratação de mão-de-obra terceirizada. No tocante à reforma agrária, o governo deveria priorizar as famílias afro-descendentes na distribuição de terras. As ações afirmativas para inclusão do negro não devem parar aí, devem englobar também o alto escalão do governo; a mídia de um modo geral (lembrando que boa parte desta é concessão pública); todas as universidades públicas e privadas; devem abranger até uma reformulação nos currículos escolares visando um novo olhar sobre a importância dos negros na construção desse país, sobre suas lutas e suas contribuições culturais para formação do nosso povo.

A dívida do Estado com os negros pelos 350 anos de escravidão e mais de um século de marginalidade e exclusão após a abolição é impagável, por isso uma política pública de caráter indenizatório que vise á inclusão dos negros não é favor algum, mas uma obrigação histórica de uma nação que se pretenda democrática e justa.

Bibliografia utilizada:

MEDEIROS, C. A. Na Lei e na Raça: legislação e relações raciais, Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: DP & A , 2004.

PAIXÂO, M. Os indicadores de desenvolvimento humano como instrumento de mensuração de desigualdade étnica. Rio de Janeiro: Fase, 1998.

Por Renato Vicentini da Silva, 6º período, História/UFRJ

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